quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Os papagaios veados


Os papagaios veados

Por muito tempo os dois papagaios viveram separados em poleiros vis-à-vis, afastados cerca de três metros, na área de serviços. Eles tinham uma função: entreter os fregueses da Pensão Popular enquanto os comensais esperavam o bode guisado ou a carne-de-sol de Corina.

O mais velho sempre foi meio bisonho. Papagaio de poucas falas, grave e carrancudo, com jeito de leão-de-chácara. O mais novo fazia dueto ao silêncio do outro. Mas, ao contrário do companheiro, era um papagaio amostrado. Quando via a gente, botava pra fazer piruetas no poleiro. Até que, um dia, caiu de ponta-cabeça e quebrou o bico. Mas continuou seus números de palhaço-acrobata.

A área de serviços ficava anexa à sala de refeições da pensão de Corina - um estabelecimento muito familiar, situado no oitão da igreja matriz de Princesa. A Pensão Popular era casa de respeito e mesa farta. Comida caseira, boa e barata. Respeito é bom, e Corina carrancuda. Como eu ia dizendo, a área ficava anexa à sala de refeições, e nós, os hóspedes, nos distraíamos com os dois papagaios da Pensão Popular, enquanto esperávamos o bode guisado.

As coisas iam bem na pensão de Princesa. Mas, depois, Corina passou a lamentar a crise. Era só eu chegar e ela ia logo perguntando:

-- Quando o garimpo vai abrir? Depois que o garimpo fechou, foi essa crise danada. Antes, a casa era cheia...

Em plena crise, os dois papagaios machos viraram a casaca e não respeitaram mais os costumes carrancistas da casa. Tempo desses eu estive lá e vi o escândalo: os dois papagaios num poleiro só, feito casal de pombinhos, trocando arrulhos e afagos!

-- Dona Corina, esses papagaios não eram machos? --perguntei meio sem jeito.

-- Esses infelizes são machos. Mas aprenderam essa safadeza não sei com quem.

Ao escândalo do ouro,

somou-se o caso dos papagaios pederastas.

Corina foi até o poleiro, pegou o papagaio mais velho e levou-o para o pé de pinha. Providência inútil: quando Corina deu as costas, o louro desceu e foi ao encontro do companheiro. Os afagos evoluíam, começando uma estranha ginástica para dois papagaios machos: um ficava por baixo, o outro por cima, e um crocitar em falsete acompanhava o jogo amoroso.

Corina não admitia falta de respeito em sua pensão: novamente apartava os papagaios e levava um dos parceiros lá para o fundo do muro, horrorizada.

Fiquei preocupado com o procedimento dos papagaios mais ou menos machos da Pensão Popular de Princesa. De repente, aqueles dois papagaios ameaçam desmoralizar toda uma tradição machista, todo um passado de lutas!

-- Dona Corina, onde diabo a senhora arranjou esses papagaios veados?

-- Vieram da banda da Bahia. Paguei caro por esses condenados.

A resposta de Corina tranqüilizou-me, pois esses costumes não existiam no Território Livre de Princesa. (23-11-2009)

Otávio Sitônio Pinto
Escritor, Publicitário e Membro do IHGP e da
Academia Paraibana de Letras
Colunista do Jornal A União
www.aunião.pb.gov.br
João Pessoa/Paraíba/Brasil

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