sexta-feira, 13 de novembro de 2009

João Pessoa voltou-se para o mar


David Barbosa-João Pessoa-Paraíba

João Pessoa voltou-se para o mar; deu as costas ao seu nascedouro, seu nascedouro é o mangue, o estuário do rio Paraíba, às margens do Sanhauá.
Mas tal atitude ingrata tem lá suas explicações, embora não a justifiquem:
ao pôr do sol, nas cercanias do antigo logradouro, além da ruinosa aparência de prédios seculares em escombros (e outros cuja decadência é maquiada com vivo colorido), olhando-se com especial atenção à tez cinzenta do poluído Sanhauá, hoje o que se vê são epílogos tardios de solar luminescência, rebrilhante fogo-fátuo, halo fantasmagórico de onde saem dançando miríades espectrais de incontáveis guerreiros tabajaras. Sim, eu os vi, eles estão lá, juntos com as raízes torturadas do mangue.
Os tempos são duros; hoje o que a cidade quer é o mar. Chega de mangue, chega de rio, o chic é a orla, todo mundo quer morar na beira da praia! O fetiche é promissor, as construtoras estão adorando, trabalham noite e dia a pleno vapor, o rumo da cidade mudou e até as vias dos transportes públicos, que carreiam para o el dourado a massa ignara da qual faço parte (cada vez mais alienado e embasbacado com os edifícios suntuosos - ali mora o doutor fulano de tal, o desembargador, o apresentador de televisão - edifícios que parecem surgir por geração espontânea), até as vias dos transportes públicos tem seus destinos adequados à imperiosa transformação: o mangabeira é via shooping, o circular é via shooping, um outro passa, graças a Deus, no Pão de Açucar.
Mas, às vezes, quando a cidade engarrafa nos acessos que gravitam em torno ao seu irremediável destino, carros como o diabo a buzinarem freneticamente, possantes carros importados, comprados a preço de ouro, sessenta, oitenta meses, não importa, tem volksvagen made in brasil pra todo mundo, fiat e toyotas a perder de vista, motores à exploção desde idas eras, o rítmo de produção dessas maravilhas é extraordinário, só perde para a pressa que temos em destruir as florestas nativas, um campo de futebol a cada segundo, dizem os pessimistas (mas o pré-sal é nosso e nós vamos queimar essa borra até a última ponta), eu observo, antes de chegar na praia, indo pela Tancredo Neves, eu observo cansado que a paisagem não é lá tão promissora.
Uns casebres insalubres, amontoados como destroços, espremidos entre aceiros terríveis e cinzentas oficinas mecânicas, um cheiro pútrido no ar, o cheiro de um rio esmagado, solapado pelo asfalto e pela incúria dos estúpidos, umas crianças com seus inevitáveis apetrechos de limpar meu pára-brisa, um velho atarantado, um motoqueiro apressado, um espetáculo deprimente. Então, displicentemente, e sem culpa, eu subo o vidro do meu Punto zero quilômetro, ligo o arcondicionado e aumento o som: - "... e mesmo quando o corpo pede um pouco mais de alma... " - canta Lenine.

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